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Inhotim por Fernanda Takai

Fernanda Takai

O nosso Inhotim

 

Ah, deixa chamar de nosso, porque dá um orgulho danado ter um lugar como aquele tão ao nosso alcance…
Perdi as contas de quantas vezes estive lá e tenho certeza de que não vi tudo.
Sabe… Ali tudo se transforma mesmo!
A paisagem conta com as bênçãos naturais das estações e das mãos verdes dos jardineiros.
Os pavilhões e obras também. Cada pessoa que lança seu olhar ou apruma os ouvidos percebe uma história.
A arte é viva e respira como a gente.
Por isso há que se voltar sempre!
Eu já me ofereci de motorista e guia várias vezes aos amigos.
Passar um dia no Inhotim é remoçar. Faz bem.
E as comidas? E os pássaros?
Cada detalhe vai te encantar. É sempre mais do que você ouviu falar e poderia esperar.
E se não ouviu nada a respeito, mas ama arte e natureza, precisa colocar na agenda!
Vá e não tenha pressa. Fique por perto pelo menos uns dois dias.
Quem sabe a gente se encontra por uma daquelas trilhas?

Foto: Rossana Magri
Foto: Rossana Magri
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Inhotim ou Shangri-La

Quando vi aquela máquina colossal, estrangulando uma árvore com garras dinossáuricas, colocada por Mathew Barney no centro de uma redoma, tive dois insights. O primeiro foi: aqui está a capa para o romance Não Verás País Nenhum, um de meus livros mais bem-sucedidos, que mostra o Brasil sem árvores, sem água, aquecido e em constante aquecimento, São Paulo paralisada por gigantescos congestionamentos, a violência imperando. Ainda hei de pedir autorização para uma das próximas edições, essa obra Lama Lamina (2009), símbolo dos tempos atuais.

 

Foi uma das (muitas) coisas que muito me impressionou na minha passagem pelo Inhotim. Nosso tempo está ali refletido. E quando, olhando para o alto, vi a máquina, vi a mim mesmo, vi a densa vegetação que envolve cada pavilhão e vi tudo refletido mil vezes pela cúpula geodésica. Lembrei-me de um dos períodos curiosos de minha vida, a de editor da revista Planeta, publicação que, na época, rompeu fronteiras ao falar de futuro, mundos extraterrestres, de universos paralelos, poder do pensamento, civilizações primitivas mais desenvolvidas que as atuais, descobertas insólitas da ciência. Planeta foi a primeira revista não especializada que falou da Cúpula Geodésica do arquiteto Buckminster Fuller, destinada a “proteger” casas ou cidades. Talvez necessitemos hoje de cúpulas geodésicas para nos proteger da atmosfera poluída, por nós desconstruída.

 

Pensei: isto é arte? O que é arte? Minha resposta é profundamente pessoal. Tudo que é belo (ou terrível) que me impressiona, me faz pensar, me modifica. Acaso o quadro O Grito (1893), de Munch, é belo, suave? Não. E, no entanto, nos encanta porque aquele grito é o nosso; entendemos o porquê dele, a angústia que permeia. Assim, completamente aberto percorri o parque Inhotim. Aliás, a primeira pergunta que fiz foi o porquê desse nome indefinível. Lá atrás, nestas terras, quando aqui ainda era fazenda, havia um americano chamado Timothy. Difícil para o caboclo mineiro pronunciar, abreviaram o nome para Tim, ao qual acrescentaram o nosso brasileiríssimo Nhô (senhor). Nhô Tim. Dai a Inhotim foi um pulo.

 

Como jornalista e escritor, andei mundo. Nunca conheci nada igual, nunca li sobre algo parecido. Admito que à distância é difícil perceber o que é Inhotim. Uma coisa pioneira, audaciosa, utópica. É um museu? É e não é? É uma galeria? É e não é. E o que é então: um parque das artes contemporâneas. E quem não gosta da arte contemporânea? Visite. Pode confirmar seu gosto, pode mudá-lo. Mas não há a mínima possibilidade de sair imune. Quase escrevi impune. Você vai se questionar, vai se render a muita coisa, vai repudiar. Há um truque (seria subliminar?). No momento em que você deixa um dos muitos espaços, se reconcilia com o mundo, a vida, com tudo, envolvido pela vegetação de um dos mais belos parques que conhecemos. Se todos os sentimentos que uma obra despertou (choque, alegria, repulsa, seja o que for) se mantiverem, alegre-se, você foi mudado, metamorfoseado. E vai carregar Inhotim para sempre.

 

Organize-se ao chegar. Converse com os monitores (nem sei se é este o nome que dão ali), apanhe os folhetos. O que desejo ver? Helio Oiticica, Chris Burden, Adriana Varejão, Miguel Rio Branco (insisto, não perca Miguel), Cildo Meireles (questione-se: o que ele pretende com esse vermelho?), Tunga, e dai em diante, porque os criadores são muitos.

 

Aconselho a caminhar, o ar é fresco, há sol e regiões sombreadas, o tempo fica paralisado. Ao se cansar, procure os bancos feitos com troncos do Pequi Vinagreiro, sente-se, deixe-se tomar pelos fluidos que uma árvore centenária traz. No ar, borboletas multicoloridas. E os lagos, os espelhos de água, todos azuis, nos quais o parque se reflete, narciso que é. Conselho final, ali um dia é bom. Mas por que não dois para ver tudo, rever algumas coisas, isolar-se deste insensato mundo? Assim como Swift imaginou Liliput, James Hilton idealizou Shangri-La, J.M. Brarie fundou a Terra do Nunca (Peter Pan) e L. Frank Baum descobriu a terra de Oz, Monteiro Lobato construiu o Sítio do Pica Pau Amarelo, Bernardo Paz criou Inhotim, nosso imaginário exacerbado.

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Um estímulo à transformação

Raquel Novais

Estar no Inhotim provoca experiências diversas, pois se trata de um lugar múltiplo, transformador, inquietante e, o que já se torna senso comum, extremamente belo. As obras de arte contemporânea expostas singularmente no Inhotim e os jardins se articulam de tal maneira que cada visita denota uma nova experiência.

 

Para além da contemplação e os sentimentos dela derivados, o Inhotim apresenta vertentes muitas vezes desconhecidas das centenas de milhares de visitantes que por lá passam anualmente. Uma delas diz respeito ao impacto na vida dos moradores da cidade que acolhe generosamente o Inhotim. A decisão do idealizador Bernardo Paz em manter e incorporar o nome da antiga vila, onde os jardins começaram a abrigar as obras de arte, evidencia o desejo de não se dissociar da história do lugar. A estranheza inicial que o nome provocava no grande público foi superada rapidamente e hoje dizer “Inhotim” já não demanda tantas explicações.

 

Ter se tornado o maior empregador privado da cidade, com 1.300 funcionários, sendo que destes, mais de 80% são originários de Brumadinho e região, e, ainda, representar o primeiro emprego de mais de 400 jovens da cidade fazem com que o Inhotim permeie a vida pública e privada de milhares de brumadinhenses. Há, também, outra relação direta do Inhotim com a cidade que ocorre a partir da mobilização dos acervos de arte e de botânica nos projetos sociais e educativos. Tais projetos expõem crianças, jovens e adultos a questões fundamentais da contemporaneidade, formuladas a partir do contato com o que há de mais relevante no cenário da arte contemporânea e de uma agenda mundial relacionada à biodiversidade e, mesmo, ao futuro do planeta.

 

Não bastando essas iniciativas, o Inhotim viabiliza, a partir deste mês, a meia-entrada para todos os moradores de Brumadinho, residentes há mais de três anos no município, por meio do programa Nosso Inhotim. Essa iniciativa é mais um estímulo para que o cidadão frequente e se aproprie desse lugar que atrai visitantes de todas as partes do mundo. Ter um equipamento cultural como o Inhotim é um ganho inestimável para a cidade. Ter os moradores de Brumadinho passeando cada dia mais pelos jardins e galerias do Inhotim é cumprir o principal objetivo do Instituto: ser um lugar transformador e que inspire um novo modelo de vida.

 

 

Programa Nosso Inhotim:

Quem tem direito à meia-entrada: moradores do município de Brumadinho, residentes há mais de três anos na região;

Documentos necessários: carteira de identidade (ou equivalente) e comprovante de residência;

Cadastramento: sempre às quartas-feiras, das 11h às 14h, na recepção do parque. Também pode ser realizado pelo e-mail nossoinhotim@inhotim.org.br. Haverá, ainda, cadastramento mensal em Brumadinho. No sábado, 7/06, por exemplo, a equipe do programa estará presente na Praça da Rodoviária, de 9h às 13h, atendendo aos interessados.

Será emitida uma carteirinha de participação do programa, que deve ser apresentada sempre que o participante for visitar o Inhotim. Ela deverá ser retirada na recepção pelo titular, às quartas-feiras, de 11h às 14h, com assinatura de comprovante de recebimento.

Mais informações: (31) 3571-9700

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Os contrastes do tempo

Equipe de mediadores

Quanto dura o tempo de um convite, de uma proposta? Durante o mês de maio, as visitas mediadas de arte do Inhotim evidenciam a natureza-morta e sua relação com o tempo. A observação de que ele é condição necessária para a existência da vida motivou diferentes artistas a arriscar a possibilidade de pará-lo. Eles tentam capturar o instante ou mesmo fazê-lo passar como uma cena em câmera lenta, em que é possível acompanhar com detalhes a transformação de algo novo, a partir daquilo que existiu e já não é mais.

 

Um dos vídeos que compõe a exposição Natureza-Morta, na Galeria Fonte, é 10:51 (2009), do artista argentino Jorge Macchi.  No trabalho, a projeção de um relógio localizada à altura do encontro da parede com o teto nos provoca a observar como a experiência com espaço condiciona e é condicionada por nossa relação com a passagem do tempo. Já parou para pensar em como você se organiza e é controlado a partir do relógio na parede de casa, na rua, no trabalho ou preso ao pulso?

 

Outra obra que estabelece um profundo diálogo com a ideia de tempo em (de)composição é Ahora juguemos a desaparecer II (2002), do cubano Carlos Garaicoa. Ali, a vídeo-instalação demonstra um experimento em processo, quando arquiteturas são postas em chamas e deflagram uma série de discussões possíveis, desde a emergência de novas ordens sociais ao padecimento de culturas seculares. Muitas vezes a condição social de diferentes épocas e culturas constrói percepções singulares do tempo, por meio da observação da natureza ou pela materialização através de artefatos, do relógio de sol à obra de arte, por exemplo. 

Detalhe da obra "Ahora juguemos a desaparecer II" (2002), do artista Carlos Garaicoa. Foto: Daniela Paoliello
Detalhe da obra “Ahora juguemos a desaparecer II” (2002), do artista Carlos Garaicoa. Foto: Daniela Paoliello

O que significa estar no tempo, a ele pertencer?

 

Texto de Alison Loureiro, arte-educador do Inhotim

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Antes e depois de Tunga

Daniela Fagundes

É impossível não reagir a uma obra do pernambucano Tunga. Esse foi o meu primeiro pensamento ao entrar na galeria que leva o nome do artista, no Inhotim. Não sei bem se pelo forte cheiro de ferro que lembra sangue, se pelo metal que parece cabelo ou se pela beleza escondida em ossos e tramas. Fato é que posso definir minha relação com a arte contemporânea em “antes de Tunga” e “depois de Tunga”.

 

Não se trata de uma obra fácil, é verdade. Mas, para mim, nada que encanta e choca pode ser óbvio. E quando se trata de Tunga, nem mesmo o chapéu de palha é comum. É como se, a todo o momento, o artista me convidasse a abrir a mente, a olhar além do que eu via, a entrar na dança das várias músicas que escutava. Porque ali, não consegui ver o começo nem o fim da obra. O que vi foi o contínuo, como os fios de cobre, a corrente de trança, os vidros sobre o espelho. O túnel sem fim.

Parte interna da galeria, que leva até a obra "Ão" (1980)
Parte interna da galeria, que leva até a obra “Ão” (1980)

Tudo ali me parecia belo. Mesmo aquilo que me causava incômodo. Porque, ao mesmo tempo em que o imã parecia me repelir, ele também me atraía. Uma espécie de leveza de aço. Uma beleza que incluía outros sentidos além da visão, que me despertou a curiosidade de olhar atrás dos panos e me surpreendeu a cada espiada.

 

Por ser impossível não reagir a um Tunga, perguntei a alguns visitantes sobre a sensação que a obra provocava neles. Medo, êxtase, dúvida e admiração foram as respostas que obtive de observadores um pouco confusos, talvez.  O que essa experiência despertou em mim? Tunga.

               

Depoimento sobre a primeira vez em que entrei na Galeria Psicoativa Tunga.

 

Tunga também foi tema do programa Arte Brasileira, do canal GNT. Assista ao vídeo aqui e descubra o que críticos, colecionadores e o próprio artista pensam sobre sua obra.