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O início de uma mudança

Maria Eugênia Salcedo Repolês

 

Traçar o início de uma mudança é difícil. Começa quando temos a ideia? Quando a ideia toma forma ou quando mais pessoas partilham da mesma?

 

Podemos dizer que tudo começou no último 23 de agosto, dia no qual aconteceu no Teatro do Inhotim um encontro para entender os bastidores do trabalho de programação cultural. Na ocasião, o principal convidado foi Álvaro Restrepo, fundador e representante do incrível Colégio Del Cuerpo em Cartagena, Colômbia. O principal objetivo do encontro era o de criar um momento de reflexão sobre programação, curadoria e cultura, para que os jovens ligados aos programas socioeducativos do Inhotim pudessem tirar dúvidas e se preparar para as suas práticas propositivas. Os outros convidados? Músicos e artistas da cidade de Brumadinho e Belo Horizonte, jovens da cidade, funcionários do Inhotim. Estávamos todos cada vez mais unidos pelas palavras do coreógrafo e dançarino colombiano.

 

“O corpo é o nosso tempo.” Disse Restrepo, e complementou com uma observação sobre sua visita ao Inhotim: “Um lugar como este nos ajuda a sentir o tempo, ou seja, nos ajuda a sentir o nosso corpo. Temos que vir e dedicar tempo a esta experiência.”

Álvaro Restrepo LEGENDA. Foto: Daniela Paoliello.
Álvaro Restrepo no Seminário de Programação Cultural do Inhotim. Foto: Daniela Paoliello.

 

Na sequência, falou sobre sua proposta política e cultural de uma espécie de “supra-ministério” para a paz. Nesta proposta, a cultura assume um papel central aliado a economia, comunicação, saúde, meio ambiente e educação. “Objetiva-se uma educação para a sensibilidade. Devemos mudar o imaginário de como somos e como podemos criar relações entre pessoas.”

 

No momento desta fala, olhei ao meu redor no teatro. Jovens de Brumadinho ouviam Álvaro relatar detalhes da experiência em Cartagena, na rua, em vários cantos da Colômbia, nas salas de aula. Percebo que alguns não usam o aparelho da tradução simultânea. A princípio, me preocupo que talvez estes que optaram por não ouvir a tradução, possam não estar entendendo tudo. Rapidamente, reparo que estão tão imersos quanto eu no relato desta experiência que tem mobilizado aproximadamente 8 mil crianças durante 17 anos. Vejo os jovens movidos, tocados, acordados pelo agito silencioso e coletivo que invade o Teatro do Inhotim. Estamos todos pensativos. Uma ideia prevalece em mim: estamos todos ouvindo detalhes sobre uma experiência exemplar de transformação, sendo que somos também participantes e testemunhas do nosso próprio processo de transformação pela educação. É por isso que havia uma certa união e cumplicidade dentre o público presente naquele dia. Artistas, jovens, funcionários do Inhotim, moradores da cidade. Conheço quase todas as pessoas presentes e os conheço porque a minha educação cotidiana se dá por meio de cada um deles. Somos responsáveis pela educação uns dos outros. Somos responsáveis pelas transformações diárias que acontecem e transformam o nosso ambiente.

 

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Os alunos do projeto Laboratório Inhotim agora também são programadores culturais. Foto: Daniela Paoliello.

 

Álvaro Restrepo falou de interdependência. De romper com a solidão do individualismo. Solidão que nos impede de compartilhar as nossas dores, mas que também nos priva de cerimônia ou comemorações coletivas. A solidão é uma violência que pode ser mudada. Ele fala de cultura e da dança como uma atitude, um aprendizado, uma forma de “esculpir o corpo individual e coletivo”. Nos ensina que “tocar é um aprendizado ético também”.

 

Finalmente, nos convoca a refletir sobre em qual momento da humanidade perdemos o sentido da conexão e integração com a paisagem e com a beleza. Precisamos recuperar o diálogo e os momentos de conexão. Rapidamente as perguntas e comentários se acumulam no público. Algumas pessoas já estão com o microfone nas mãos, outras fazem anotações, alguns jovens falam no meu ouvido: “Temos ideias para o festival de rua em Brumadinho!”.

 

Ouço o educador Eduardo Martins Cunha dizer ao microfone “…é na educação que podemos fazer a manutenção das nossas utopias.” Nesse momento ocorreu uma mudança em mim. Estava, assim como os jovens da cidade de Brumadinho, inspirada e desejosa para colocar as ideias em prática. O que podemos fazer junto com estes artistas e parceiros? Qual espaço da cidade melhor acolhe estas ideias? O que daremos conta de fazer até novembro? Não pode circular dinheiro no nosso evento! Vamos fazer atividades com o público similares às que fazemos em pesquisa no Inhotim. Queremos que haja um piquenique! Traçar o início de uma ação coletiva é difícil. Começa quando uma pessoa deseja mudança ou quando mais pessoas partilham do mesmo desejo?

 

Assim (re)nasceu o Laboratório Mambembe. A ideia é antiga, o planejamento por trás foi enorme e cheio de parceiros. Os propositores principais são os jovens moradores de Brumadinho e participantes de programas educativos do Inhotim. O corpo de cada um deles foi o primeiro lugar de se colocar as ideias em prática. O segundo, é a cidade de Brumadinho. Sei que este evento será, de uma maneira ou outra, o exercício de pequenas utopias escolhidas pelos jovens. Será também uma mudança no planejamento futuro de alguns dos programas educativos da instituição e, esperamos, um momento de mobilização do corpo coletivo da cidade de Brumadinho.

 

Estão todos convidados!

 

Laboratório Mambembe
Sábado, 1º de novembro
De 12h às 21h
Praça Antônio Carlos Cambraia
Brumadinho – MG

 

Saiba mais sobre o evento e leia o manifesto escrito pelos jovens propositores.

Conheça o trabalho fantástico do Colégio del Cuerpo.

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A Festa da Colheita em Brumadinho

Rosalba Lopes

Festa da Colheita é agradecimento pelos primeiros frutos, é celebração das primícias. Fala da prosperidade, do nascimento daquilo que foi semeado. Na longa tradição que acompanha a humanidade desde o domínio da agricultura, e particularmente, na tradição católica, ela ocorre ao final da safra e seu principal sentido é a oferenda. Na comunidade quilombola de Marinhos, em Brumadinho, o evento ocorreu no último domingo, 14/09.

 

Ao longo da celebração, os agricultores agradeceram pelo milho, abóbora, cana, feijão e até pela lenha produzida na comunidade, cujo grupo de roça – Quem planta e cria tem alegria – é expressão fiel do que se viu ao longo do dia. A comunidade cantou, festejou e comemorou. Tudo deliciosamente acompanhado pelo frango com ora-pro-nóbis. Antes que a produção chegasse às mesas das instituições para as quais foi doada, ela foi saudada pelo canto dos violeiros e pelo jogo de capoeira dos grupos locais. Foi também reverenciada pelas mulheres da comunidade, com sua dança da peneira. Coreografia que faz lembrar que os modos de fazer podem atravessar os séculos e sobreviver em rituais antes praticados em torno das fogueiras, hoje em torno da colheita, mas sempre sustentados pela noção de pertencimento.

Foto: Daniela Paoliello
Mulheres celebram os primeiros frutos da estação. Foto: Daniela Paoliello

Por fim, a produção foi abençoada em missa dedicada ao ofertório. Para além da colheita, os moradores ofereceram a rica e longeva tradição cultural que sobrevive na comunidade, como demonstra o emocionante grupo que, a certa altura, ergue um de seus meninos e canta a importância da solidariedade na vida da comunidade: “[…] de onde nós vem? Nós é do quilombo, é negro por negro”, expressão que dá nome ao grupo. O evento se encerrou com a apresentação das crianças e jovens que participam do projeto de iniciação musical em percussão, desenvolvido pelo Inhotim, tendo à frente o músico Rei Batuque – também um quilombola – em uma demonstração do conhecimento e profundo respeito que o Instituto tem pelas manifestações culturais presentes no território que o abriga.

Foto: Daniela Paoliello
Integrantes do grupo de percussão do Inhotim se apresentam na Festa da Colheita. Foto: Daniela Paoliello
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Crescendo com o Inhotim

Elton Damasceno da Silva

Relatar uma experiência marcante nesses meus oito anos de Inhotim não é uma tarefa simples, ainda mais tendo participado de tantos projetos grandiosos. Em De Lama Lâmina (2009), de Mathew Barney, confeccionei os moldes da árvore e de algumas ferramentas que estão presas à escultura. Em Celacanto Provoca Maremoto (2004-2008), da Adriana Varejão, participei desde o preparo das telas até a instalação das mesmas na galeria. O Sonic Pavilion (2009), de Doug Aitken, deu muito trabalho quando tivemos que subir e descer mais de 200 metros de cabos. Na medida em que os testes de áudio eram realizados, todos ficavam espantados com os sons que existem em certas profundidades da Terra.

 

O Beehive Bunker (2006), de Chris Burden, colocou minha força física to the test, pois toda a obra foi feita manualmente, até mesmo a tampa de bueiro que fica em seu topo foi colocada por nós, da equipe de produção. O Beam Drop (2008), também de Burden, transmitiu-me uma leveza e, ao mesmo tempo, uma brutalidade em sua confecção, que até hoje me emociono ao ver a performance da montagem. Restore Now (2006), de Thomas Hirschhorn, me colocou em contato com o grande acervo literário que compõe a obra e forçou-me a desenvolver minhas funções com um olho no trabalho e outro nos livros! Pude ler excelentes obras, como A historia da sexualidade vol.1, de Michel Foucault, Responsabilidade e julgamento, de Hanna Arendt e Ecce Humo, de Friedrich Nietzsche, sem contar vários outros títulos que estão em minha lista para um futuro próximo.

 

Tenho um enorme carinho por todos os trabalhos que montei no Instituto, mas os de John Ahearn e Rigoberto Torres, os painéis Rodoviária de Brumadinho (2005) e Abre a porta (2006), são de uma importância indizível para mim, pois comecei a desenvolver um deles antes mesmo de conhecer o Inhotim. Eu trabalhava em um ateliê de arte em Belo Horizonte e meu primeiro contato com os artistas aconteceu lá.

 

Depois de algumas negociações entre o estúdio e o Inhotim, Lucas, meu atual gestor, acompanhado pelos artistas, levou dois fragmentos do ônibus para que confeccionássemos os moldes. Quando me viu, John disse que confiava em mim e sabia que eu iria fazer um bom trabalho. Fiquei muito empolgado e o resultado foi a satisfação coletiva. Em seguida, nos foi dada a tarefa de moldar um ÔNIBUS! Fiquei muito surpreso, nunca havia feito algo tão grande assim, mas aceitei o desafio e realizei um bom trabalho. Depois disso, tornei-me o mold maker oficial, que desenvolveria os trabalhos para John e Rigoberto. Depois de terminarmos o primeiro painel, Rodoviária de Brumadinho, Lucas me convidou para trabalhar no Inhotim, mas, dessa vez, como um membro oficial da equipe. Iniciava-se, então, essa duradoura parceria.

 

"Rodoviária de Brumadinho" (2005) retrata a vida dos moradores da região e seus costumes. Foto: Eduardo Eckenfels
“Rodoviária de Brumadinho” (2005) retrata a vida dos moradores da região e seus costumes. Foto: Eduardo Eckenfels

Logo quando cheguei ao Instituto, pude perceber claramente a necessidade de se falar um segundo idioma. A quantidade de estrangeiros que orbitavam e orbitam por aqui é incomensurável. Assim, já no meu primeiro mês comecei a comprar fascículos semanais da Revista Época, que vinham com um livro e um DVD que ensinavam inglês. Também adquiri um dicionário de espanhol. À noite, estudava e, durante o dia, colocava em prática o que ia aprendendo. Ao ver meu empenho com os estudos, John, no final do expediente, reservava um tempo para praticarmos algumas palavras que seriam úteis em nosso dia a dia. Um ano depois eu já estava dominando o inglês, o que certamente corroborou para meu crescimento na equipe.

 

Desde então, venho aprimorando minha mão de obra. Estou no quinto período do curso de Historia e, no próximo ano, farei uma pós-graduação em Arte Contemporânea, Restauro ou Filosofia. No Inhotim, sou movido pelas possibilidades e perspectivas de futuro, que, para ser sincero, não são poucas.

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Utopia realizada

Redação Inhotim

“Criado de maneira intuitiva, o Inhotim não foi preconcebido e não houve um planejamento sistemático. Com o passar do tempo, fui percebendo que tudo que estava sendo formado transcendia a posse individual. Havia um valor como conjunto de acervo botânico e de arte que deveria se tornar um patrimônio acessível a todas as pessoas.

 

Inhotim tem ganhado contornos reais de um novo modelo de vida, daquilo que vislumbramos como a vida pós-contemporânea. O contato com a cultura, com a natureza, com as manifestações artísticas e com a beleza desperta a curiosidade das pessoas e, assim, elas se sentem estimuladas a aprender cada vez mais e a ser melhores no presente e no futuro. Inhotim é um paradigma no mundo, não existe nada igual.

 

Mas se isso tudo pode parecer utopia, eu escutei do crítico de arte Hans Ulrich Obrist quando esteve no parque: ‘Isto aqui é a utopia realizada’.”

 

Quer conhecer um pouco mais sobre a filosofia do idealizador do Inhotim? Então assista à palestra que Bernardo Paz fez na  Oasis Summit, em Los Angeles/EUA.

 

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De onde vem o nome Inhotim?

Redação Inhotim

Ninguém sabe ao certo de onde vem o nome Inhotim, mas sua origem gera muita curiosidade entre os visitantes e funcionários do parque. Uma das teorias mais conhecidas relaciona a palavra a um minerador inglês, o “Sir Timothy”, que teria morado na área ocupada hoje pelo Instituto. O pronome “Sir”, traduzido para o português como “Senhor”, era muitas vezes falado como “Nho”. Assim, “Sir Timothy” se transformaria em “Nho Tim”.

 

Outra história, comprovada por uma notificação de 26 de maio de 1865, registra a existência de um lugar chamado “nhotim”, onde morava João Rodrigues Ribeiro, filho de Joaquim Rodrigues Ribeiro. Em um dos recibos anexos a esse antigo documento há uma assinatura na qual a localização é grafada como “Nhoquim”.

 

O nome “Joaquim” aparece também na narrativa de Dona Elza, moradora da região de Brumadinho. Ela apresenta uma variação da versão que envolve o minerador inglês: “O que eu me lembro de ver contar era que havia um proprietário que se chamava, não sei se era Joaquim, e o apelido dele era Tim. Então era o Sr. Tim, que virou NHÔ TIM. Antigamente não se falava senhor, era nhô. Por isso ficou com esse nome de Inhotim”.

 

Há ainda o relato da viagem do engenheiro inglês James Wells pelo Brasil entre os anos de 1868 e 1886. Em determinado momento, ele relembra uma conversa com um trabalhador negro em uma estrada próxima à Brumadinho. O linguajar local indica que a palavra Inhotim poderia ser uma corruptela da expressão usada pelos escravos para dizer sim senhor: “N’hor sim”. A existência de seis comunidades quilombolas no município de Brumadinho, quatro delas reconhecidas pela Fundação Palmares, reforça a hipótese.

 

Essas são algumas das explicações possíveis para o nome do Instituto, fruto das pesquisas do Centro Inhotim de Memória e Patrimônio (CIMP). Criado em 2008 para resgatar as histórias e tradições da região, o CIMP é um dos projetos que o Inhotim realiza com a comunidade de seu entorno.

 

Você já ouviu algum relato diferente sobre a origem do nome Inhotim? Conte para a gente!