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Simplicidade e história

Redação Inhotim

Um dia-a-dia tão tranquilo quanto silencioso. Casas muito simples, espalhadas pelo terreno acidentado da região.  Uma música baixa, chiada, vinda de um rádio antigo colocado na janela é um dos únicos sons que embalam a tarde. Ali vivem pessoas acanhadas, cujo olhar mistura cansaço e esperança. Por vezes, seus olhos se enchem d’agua ao relembrar da infância ou de algum familiar distante. Esse é o cenário de quem chega em Marinhos e Sapé, duas das seis comunidades quilombolas espalhadas pelo entorno do município de Brumadinho (MG). Marinhos tem cerca de 200 habitantes. Sapé, um pouco menor, abriga aproximadamente 50 casas. As duas, no entanto, carregam consigo um passado de resistência e boas histórias.

 

A maioria dos moradores, principalmente os mais antigos, pode ser considerada um retrato vivo de um povo que luta por meio do trabalho. Localizada em uma região que costumava abrigar fazendas, muitos aprenderam a acordar ainda de madrugada e acompanhar os pais no serviço da lavoura. É o caso da dona de casa Maria Perpétua Socorro, 65 anos, nascida e criada em Sapé. “Quando éramos crianças, se trabalhava de sol a sol na roça. Meus pais me levavam junto com meus irmãos para ajudá-los todo santo dia. Foi assim que crescemos”, conta.

  Dona Perpétua foto Rossana MagriQuando mais nova, Dona Perpétua costumava ajudar na cozinha durante as festas típicas. Foto: Rossana Magri

 

O passar dos anos fez com que a realidade mudasse um pouco. Atualmente, com as novas práticas rurais, há apenas pequenas hortas domésticas no quintal dos moradores. “Hoje, graças a Deus, não existe mais isso. Digo assim porque no passado sofríamos muito”, afirma Perpétua. Os desejos e objetivos de quem mora nas vilas também mudaram. Se antes o caminho quase que invariável era casar e continuar na região, hoje os jovens estão saindo cada vez mais para centros maiores. “Aqui não tem muito emprego, maneiras de estudar mais, então eles acabam saindo quando crescem”, conta Antônio das Graças Silva, marido de Perpétua, que tem dois filhos.

 

Mas apesar da nova realidade, algumas práticas e antigos valores ainda são transmitidos de pais para filhos nas comunidades quilombolas de Brumadinho. As festas típicas e os cultos religiosos resistem ao tempo e são verdadeiros patrimônios culturais do estado. As chamadas Guardas de Congo e Moçambique, organizadas pela população, desfilam várias vezes ao ano, trazendo cores e cantos que preservam as crenças locais. Seja tocando algum instrumento, carregando a coroa ou mesmo ajudando na cozinha, o importante é não deixar morrer a tradição.

 

Cortejo Congo Moc?ambique foto Rossana MagriCortejo Congo Moc?ambique mistura passado, presente e futuro. Foto: Rossana Magri

 

A professora Nair de Fátima Santana, residente de Marinhos, participa desde nova das festas e ressalta que elas são fundamentais para resgatar a memória e as origens da região. “As celebrações mostram um pouco do que éramos e do que somos”, diz. De acordo com ela, há pouco tempo o termo “quilombola” ainda costumava incomodar. “Eu não gostava de ser reconhecida assim porque pensava que isso denominava alguém que sofreu, que não tinha perspectiva. Mas, com o tempo, me dei conta de que só estava negando a minha própria existência. Hoje vejo que ser quilombola é ser fruto de um povo carregado de significados. É justamente durante nossas comemorações que somos abençoados. Tentamos passar parte dessa história para as nossas crianças aqui na escola”, conclui orgulhosa.

Simplicity and history

Redação Inhotim

Here, the day-to-day life is as calm as it is quiet. Very simple houses, scattered throughout the rugged terrain of the region. A low wheezing song, coming from an old radio placed close to the window is one of the only sounds that lull the afternoon. Shy people live there. Their gaze mixes fatigue and hope. Sometimes, they get watering eyes from remembering their childhood or a distant relative. This is the scenario at Marinhos and Sapé, two of the six former-slave communities (quilombola) scattered around Brumadinho (MG), settlements founded by fugitive slaves who worked in the region. Marinhos has about 200 inhabitants. Sapé, slightly smaller, has approximately 50 homes. Both, however, carry with them a past of resistance and good stories.

 

Most residents, especially the elderly, can be considered a living portrait of a people struggling through work. Located in a region that used to house farms, many have learned to wake up in the morning and follow their parents in farm work. This is the case of housewife Maria Perpétua Socorro, 65 years old, born and raised in Sapé. “When we were kids, we worked from sunrise to sunset in the fields. My parents took my siblings and me to help them every single day. That’s how we were brought up”, she says.

  Dona Perpétua foto Rossana MagriWhen she was younger Perpétua used to help in the kitchen during typical celebrations. Photo: Rossana Magri

 

The passing of the years has changed reality a bit. Currently, with the new rural practices, we found only small household gardens in residents’ backyards. “Today, thank God, that past no longer exists. I say so because we suffered a lot”, says Perpétua. The desires and goals of those who live in the villages have also changed. In the past, the path of a young person was almost invariably to marry someone and stay in the region, whereas today’s youngsters are increasingly coming to larger centers. “There aren´t many job opportunities here, means to study more, so they end up leaving when they grow up,” reveals Antônio das Graças Silva, Perpétua’s husband, who has two children.

 

But despite the new reality, some practices and old values ??are still passed on from parents to children in the quilombola communities around Brumadinho. The traditional festivals and religious cults withstand time and are the state’s true cultural heritage. The Guardas de Congo e Moçambique – cultural and religious expressions of African influence organized by the people – take the streets several times a year, bringing colors and sounds that preserve local beliefs. Whether playing an instrument, carrying the crown or even helping in the kitchen, it is important not to let traditions die.

 

Cortejo Congo Moc?ambique foto Rossana MagriThe Guardas de Congo e Moçambique mixtures pass, present and future. Photo: Rossana Magri

 

Since childhood, teacher Nair Fatima Santana, a resident of Marinhos, participates in the parties and points out that they are the key to keep the memory and origins of the region. “The celebrations show a bit of what we were and what we are”, she explains. According to her, until recently the term “quilombola” used to bother them. “I did not like being recognized as a quilombola, because I thought it referred to someone who had suffered, who had no life perspective. But with time, I realized that I was just denying my own existence. Today I see that being a quilombola means being part of a people which has a meaningful story. During our celebrations is the very moment we are blessed. We try to teach part of that history to our children here at school”, she proudly concludes.