Ganância e poder são tema de trabalho de Christiane Jatahy no Inhotim
O Espaço Igrejinha, localizado no eixo laranja de visitação do Parque, vai receber nesta quarta-feira #aflorestaqueanda.doc”, trabalho da diretora brasileira Christiane Jatahy. A montagem foi inspirada em um texto de Shakespeare, Macbeth, e chega ao Inhotim em uma versão inédita. Em entrevista para o Blog do Inhotim, Jatahy falou sobre o que a inspirou a desenvolver o que ela própria define como um “trabalho político”, por ter a ganância e o poder como temas principais de sua narrativa.
-Como você define A floresta que anda?
Eu definiria que é uma videoinstalação com performance. São quatro documentários com quatro personagens. O ponto em comum entre elas é que todas tiveram acontecimentos que têm a ver com o sistema politico do mundo que influenciaram diretamente na vida delas. São documentários bastante cinematográficos , clássicos, porque é como se a gente tivesse olhando através do olho delas. Essas quatro cenas ficam simultâneas. O visitante vai mudando de lugar pra ver cada uma delas. Paralelo a isso, eu fico com uma câmera sentada do lado de fora e duas coisas acontecem: uma é que a gente tem dois atores que recebem uma série de histórias que eu coletei pelo mundo e eles são gravados ao vivo contando como se as histórias fossem deles. Isso mistura realidade com ficção, porque eles contam histórias de outros, mas estão atuando nessas histórias. Fora isso, eu dou espaço para o próprio público contar histórias que tenham a ver com esse conteúdo. Ele vai ser filmado e projetado ao mesmo tempo nos telões, fazendo uma grande mistura.
– De que forma Macbeth, o texto de Shakespeare, influenciou o seu trabalho?
“Macbeth” é o início desse trabalho. Esse texto conta a história de um homem que escuta vozes das bruxas profetizando que ele seria agraciado com um cargo de confiança do rei e, mais tarde, chegaria a receber a coroa. Quando a primeira parte da premonição é cumprida e Macbeth sobe para um alto cargo da hierarquia, ele acredita fielmente nos dizeres das bruxas e pensa em um plano para usurpar o poder completamente. É uma história de ganância e ambição, sobre alguém que deseja manter o poder a qualquer custo. A inspiração é porque eu vejo esse personagem presente em vários lugares. É um sistema em que a ganância é capaz de atropelar a vista das pessoas de uma maneira irremediável. A minha questão não é apontar essas pessoas, mas é pensar sobre como é esse sistema que precisa ser transformado, porque não é mais possível viver com tamanha desigualdade.
– De onde surgiu o nome A Floresta que Anda?
É uma ideia que tem a ver com o texto do Macbeth porque, nesta narrativa, depois que ele faz tudo para se manter no poder, ele volta às bruxas para perguntar a elas se ele tem possibilidade de perder o poder. Elas respondem que ele só vai perder quando a floresta andar. Então ele fica tranquilo, porque pensa que isso é algo impossível de acontecer. Mais tarde, ele é atacado pelo exército e uma das estratégias do grupo era segurar troncos e galhos para se camuflarem na floresta a medida que avançavam. Esse cenário, visto de longe, parecia um bosque em movimento. Uma floresta andando. É uma metáfora que diz que quem vai mudar alguma coisa é o coletivo. Todas as pessoas que estão participando do meu trabalho simbolizam essa floresta.
– Como foram feitas essas entrevistas que aparecem nas telas?
Alguns foram pesquisas que a gente fez pra encontrar pessoas dentro do perfil. Temos um jovem da Republica do Congo por exemplo, que a gente encontrou porque fiz um projeto anterior no qual eram feitas essas entrevistas e acabei conhecendo ele. Voltei a ele nesse trabalho porque a historia dele é realmente muito impressionante. O pai dele era contrário ao governo, que vivia uma ditadura. Ele era um jovem de 22 anos estudante quando o governo entrou na casa dele, matou o pai, estuprou a mãe e prendeu ele durante dois anos e torturou até ele ser retirado pela cruz vermelha e ser deportado, virando refugiado. Uma pessoa que nem estava diretamente relacionada a questões politicas, mas que o sistema acaba destruindo. Outra pessoa é a sobrinha do Amarildo, caso ícone do RJ, e foi uma disputa de poder da polícia dentro da favela. Ela traz todo esse depoimento como parte da família. Outro é o Igor, que faz parte das 23 pessoas que sofrem processo político por participar das manifestações de 2013. Por ter ido ao ato politico ficou preso 7 meses no presídio Bangu 1. Isso acontece porque a Justiça no Brasil funciona para alguns, não pra todos. A quarta é um rapaz de Brasília que traz um depoimento que tem a ver com o Movimento dos Sem Terra.
-O que significa para você ter esse trabalho no Inhotim?
É uma felicidade. Primeiro porque eu acho o projeto do Inhotim, o que ele resulta e a experiência transversal de arte e natureza, muito incríveis. Na primeira vez que estive no Inhotim, eu tive uma epifania. Fiquei tomada por este lugar. Apresentar esse trabalho no Inhotim é lindo porque é ir em direção a um lugar que me atravessou profundamente como público. Estar como artista é uma honra. Eu tenho um lugar muito claro e reconhecido no teatro e, nessa relação do teatro com cinema, o trabalho com A floresta… atravessa mais uma fronteira em direção às artes plásticas. Estar em um lugar em que o público vai olhar dessa maneira um trabalho que eu estou fazendo, que é diferente de realiza-lo dentro de um espaço cênico, é dar um outro sentido para o meu trabalho.