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Inhotim ou Shangri-La

Quando vi aquela máquina colossal, estrangulando uma árvore com garras dinossáuricas, colocada por Mathew Barney no centro de uma redoma, tive dois insights. O primeiro foi: aqui está a capa para o romance Não Verás País Nenhum, um de meus livros mais bem-sucedidos, que mostra o Brasil sem árvores, sem água, aquecido e em constante aquecimento, São Paulo paralisada por gigantescos congestionamentos, a violência imperando. Ainda hei de pedir autorização para uma das próximas edições, essa obra Lama Lamina (2009), símbolo dos tempos atuais.

 

Foi uma das (muitas) coisas que muito me impressionou na minha passagem pelo Inhotim. Nosso tempo está ali refletido. E quando, olhando para o alto, vi a máquina, vi a mim mesmo, vi a densa vegetação que envolve cada pavilhão e vi tudo refletido mil vezes pela cúpula geodésica. Lembrei-me de um dos períodos curiosos de minha vida, a de editor da revista Planeta, publicação que, na época, rompeu fronteiras ao falar de futuro, mundos extraterrestres, de universos paralelos, poder do pensamento, civilizações primitivas mais desenvolvidas que as atuais, descobertas insólitas da ciência. Planeta foi a primeira revista não especializada que falou da Cúpula Geodésica do arquiteto Buckminster Fuller, destinada a “proteger” casas ou cidades. Talvez necessitemos hoje de cúpulas geodésicas para nos proteger da atmosfera poluída, por nós desconstruída.

 

Pensei: isto é arte? O que é arte? Minha resposta é profundamente pessoal. Tudo que é belo (ou terrível) que me impressiona, me faz pensar, me modifica. Acaso o quadro O Grito (1893), de Munch, é belo, suave? Não. E, no entanto, nos encanta porque aquele grito é o nosso; entendemos o porquê dele, a angústia que permeia. Assim, completamente aberto percorri o parque Inhotim. Aliás, a primeira pergunta que fiz foi o porquê desse nome indefinível. Lá atrás, nestas terras, quando aqui ainda era fazenda, havia um americano chamado Timothy. Difícil para o caboclo mineiro pronunciar, abreviaram o nome para Tim, ao qual acrescentaram o nosso brasileiríssimo Nhô (senhor). Nhô Tim. Dai a Inhotim foi um pulo.

 

Como jornalista e escritor, andei mundo. Nunca conheci nada igual, nunca li sobre algo parecido. Admito que à distância é difícil perceber o que é Inhotim. Uma coisa pioneira, audaciosa, utópica. É um museu? É e não é? É uma galeria? É e não é. E o que é então: um parque das artes contemporâneas. E quem não gosta da arte contemporânea? Visite. Pode confirmar seu gosto, pode mudá-lo. Mas não há a mínima possibilidade de sair imune. Quase escrevi impune. Você vai se questionar, vai se render a muita coisa, vai repudiar. Há um truque (seria subliminar?). No momento em que você deixa um dos muitos espaços, se reconcilia com o mundo, a vida, com tudo, envolvido pela vegetação de um dos mais belos parques que conhecemos. Se todos os sentimentos que uma obra despertou (choque, alegria, repulsa, seja o que for) se mantiverem, alegre-se, você foi mudado, metamorfoseado. E vai carregar Inhotim para sempre.

 

Organize-se ao chegar. Converse com os monitores (nem sei se é este o nome que dão ali), apanhe os folhetos. O que desejo ver? Helio Oiticica, Chris Burden, Adriana Varejão, Miguel Rio Branco (insisto, não perca Miguel), Cildo Meireles (questione-se: o que ele pretende com esse vermelho?), Tunga, e dai em diante, porque os criadores são muitos.

 

Aconselho a caminhar, o ar é fresco, há sol e regiões sombreadas, o tempo fica paralisado. Ao se cansar, procure os bancos feitos com troncos do Pequi Vinagreiro, sente-se, deixe-se tomar pelos fluidos que uma árvore centenária traz. No ar, borboletas multicoloridas. E os lagos, os espelhos de água, todos azuis, nos quais o parque se reflete, narciso que é. Conselho final, ali um dia é bom. Mas por que não dois para ver tudo, rever algumas coisas, isolar-se deste insensato mundo? Assim como Swift imaginou Liliput, James Hilton idealizou Shangri-La, J.M. Brarie fundou a Terra do Nunca (Peter Pan) e L. Frank Baum descobriu a terra de Oz, Monteiro Lobato construiu o Sítio do Pica Pau Amarelo, Bernardo Paz criou Inhotim, nosso imaginário exacerbado.

Inhotim or Shangri-La

When I saw that gigantic machine, strangling a tree with its dinosaur-like claws, placed by Mathew Barney in the middle of a dome, I had two insights.  The first one was: here is the cover for my novel And Still the Earth, one of my most successful books, which shows Brazil without trees, without water, heated and increasingly getting warmer, São Paulo paralyzed by massive traffic jams, violence reigning.  One day I will ask for permission to use this work, Lama Lamina (2009), in the next editions. It is a symbol of present times.  

 

It was one of the (many) things that impressed me when I went to Inhotim.  Our time is reflected there. And when I looked up and saw the machine, I saw myself, I saw the dense vegetation that surrounds each pavilion and I saw everything reflected a thousand times by the geodesic dome.  I remembered an interesting period in my life, when I was the editor for the Planeta magazine. Back then, the publication broke boundaries by talking about the future, extraterrestrial worlds, parallel universes, the power of thought, primitive civilizations that were more developed than current ones, unusual scientific findings.  Planeta was the first non-specialized magazine to mention Buckminster Fuller’s Geodesic Dome, intended to “protect” houses or cities.  Today, we might need geodesic domes to protect ourselves from the polluted atmosphere, which we have deconstructed.

 

I thought: Is this art? What is art? My answer to that is deeply personal.  Everything which is beautiful (or terrible), which impresses me, makes me think, changes me.  Is Munch’s The Scream by any chance beautiful, soft? No. And yet, we are enchanted by it because that is us screaming; we understand the reason for it, the affliction present.  Thus, with a completely open mind, I strolled around Inhotim.  Actually, the very first question I asked was the reason for this undefinable name. In the old days, when this land was still a farm, there was an American man called Timothy here.  A hard name for farm workers to pronounce, they shortened it to Tim, and added our very Brazilian “Nhô” (sir).  Nhô Tim. From that to Inhotim was a short leap.

 

I went all over the world as a journalist and writer.  I have never been to any place like this. I have never read about anything similar to this place.  I have to admit that, from a distance, it is hard to fully grasp what Inhotim is.  It is pioneering, audacious, utopic.  Is it a museum? It is and it is not. Is it a gallery? It is and it is not. So, what is it then:  a park for the contemporary arts.  What about those who do not like contemporary art? Visit it. It might reaffirm your opinion, it might change it.  But there is not the slightest chance you will be immune to it. I almost wrote unpunished instead. You will question yourself, surrender to a lot, repel.  There is a trick (I wonder if it is subliminal).  The moment you leave one of the many spaces, you make peace with the world, with life, with everything, involved by the vegetation of one of the most beautiful parks known to us. If all the feelings (shock, joy, disgust, whatever it might be) a certain work of art awakens in you are kept, be happy, you have been changed, metamorphosed.  And you will take Inhotim with you forever.  

 

Get organized when you arrive there. Talk to the monitors (I don’t even know if this is how they call them there), get the brochures.  What do I want to see? Helio Oiticica, Chris Burden, Adriana Varejão, Miguel Rio Branco (I insist, don’t miss out on Miguel), Cildo Meireles (ask yourself: what does he want with this red?), Tunga, and so on, for there are many creators.

 

I advise you to walk, the air is fresh, there is sunlight and shaded areas, time is paralyzed.  As you get tired, look for one of the tree-trunk benches made from Pequi Vinagreiro, sit down, let the vibes brought by a century-old tree involve you.   In the air, multicolored butterflies.  And the lakes, water mirrors, all blue, where the park reflects itself, for it is Narcissus.  Final word of advice, one day there is good. But why not take two days to see everything, revisit some things, isolate yourself from this senseless world?  Just like Swift imagined Lilliput, James Hilton idealized Shangri-La, J.M Brarie founded Neverland (Peter Pan) and L. Frank Baum found Oz, Monteiro Lobato built the Sítio do Pica Pau Amarelo, Bernardo Paz created Inhotim, our exacerbated imagination.