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Sobre olhar como ação

Júlia Rebouças

Quando entrei na sala da galeria Mata onde está exposto um conjunto de obras de Babette Mangolte, chamou-me a atenção a imagem de um rosto masculino, num aparelho de televisão. Richard Serra, filmado sobre um fundo azul – um dos poucos elementos cromáticos da sala – parece fitar o espectador. Ele carrega expressão séria, quase imóvel, e observa quem o olha, observa a lente. No monitor ao seu lado, em preto e branco, está a imagem de Yvone Rainer, mais descontraída, com uma faixa na cabeça e brincando com uma fita adesiva sobre seus lábios. Mas o seu retrato também encara a câmera. Os dois aparelhos, posicionados no centro da sala, convertem-se para mim numa bonita metonímia sobre o processo de trabalho e de pesquisa da artista ali exibida monograficamente. Quando olha para o outro, Babette Mangolte nos revela a sua própria matéria subjetiva.

 

Francesa radicada nos Estados Unidos, Babette acompanhou e registrou em filme, vídeo e fotografia a importante cena de dança, teatro e arte que floresceu sobretudo nos anos 1970 na cidade de Nova York. Os reflexos das experimentações realizadas naquele momento viriam a impactar definitivamente os rumos tomados pela arte. O arquivo generoso e plural que a artista construiu, mais do que simplesmente documentar um período histórico, propõe uma inflexão criativa e crítica que constitui a memória daquele tempo.

 

Babette Mangolte - Touching III with collage III, 2013Babette registrou em filme, vídeo e fotografia a cena de dança, teatro e arte, sobretudo em Nova York nos anos 70 Foto: Rossana Magri

 

 

Numa conversa durante a montagem, a artista comentou o impacto das primeiras exibições do filme Water Motor (1978). Nele, a coreógrafa Trisha Brown aparece dançando por sete minutos. Sem figurino, sem cenário, sem música, apenas o corpo em movimento, representado no compasso desacelerado da câmera lenta. Nas palavras da Babette, aquela era uma imagem de tamanha abstração, fora de qualquer suporte narrativo, que parecia impossível de ser contemplada nos idos anos 70.  Foi preciso que gêneros como o videoclipe se popularizassem nas décadas seguintes para que essas manifestações pudessem ser compreendidas numa escala maior. A forma de olhar era tão desafiante que se equivalia à radicalidade da própria dança. 

 

 

* Júlia Rebouças é curadora no Inhotim desde 2007.

The look as a form of action

Júlia Rebouças

When I entered the room where Babette Mangolte’s work is being displayed at Galeria Mata, the image of a male face in a TV set caught my attention. Richard Serra, shot over a blue background – one of the few color elements in the room – seems to be staring at the viewer. His features are serious, still, he observes that which looks at him, the lens. The nearby black & white TV set displays the image of Yvone Rainer, who is more carefree, with a headband and playing around with some tape in her lips. But her portrait also stares at the camera. Both pieces of equipment, placed in the center of the room, converge towards me in a beautiful metonymy about the artist’s work and research processes, which is shown in a monographic way in that space. When she looks at others, Babette Mangolte shows us her own subjective matter.

 

Babette is French and lives in the US. She experienced and registered in film, video and photography the important dance, theater and art scene that flourished especially in New York City in the 70s. The reflection of the experimentations made at that time ultimately impacted the paths taken by art. The generous and diversified archive created by the artist does more than simply document a historical period, it rather proposes an inflection and criticism that makes up the memory of that time. 

 

Babette Mangolte - Touching III with collage III, 2013Babette registered in film, video and photography the dance, theater and art scene, especially in New York City in the 70s Photo: Rossana Magri

 

 

During a conversation that took place when the exhibit was being assembled, the artist talked about the first showings of the film Water Motor (1978), in which choreographer Trisha Brown appears dancing for seven minutes. No costumes, no scenario, no music, just the body in motion, representing the decelerated pace of slow motion. In Babette’s own words, that image was so abstract and removed from any narrative support that it seemed to be impossible for it to be appreciated in the 70s. Genres like the video clip had to become more popular in the following decades before these manifestations were more deeply comprehended. The look was so daring that it was equivalent to the extremeness of the dance itself.

 

 

* Júlia Rebouças has been a curator at Inhotim since 2007.